Elas movimentam a economia local, geram o maior número de empregos nos países emergentes e são consideradas fundamentais para se atingir as metas de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) até 2030: elas são as micro e pequenas empresas. E ontem, 27 de junho, foi comemorado internacionalmente o seu dia.
Embora tenham papel estratégico para as economias globais, os pequenos negócios ainda enfrentam uma série de obstáculos, inclusive aqui no Brasil, onde há dificuldades de acesso ao crédito e faltam incentivos para que essas empresas menores se desenvolvam.
Desde as mobilizações em prol desses empreendedores, que começaram na década de 1970 realizadas por entidades como a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), os avanços foram diversos, conforme aponta Nelson Hervey da Costa, diretor-superintendente do Sebrae-SP.
Entre eles, a inclusão do artigo 179 na Constituição de 1988, que garantiu tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, e foi o grande divisor de águas na história do país quando se fala em pequenos negócios.
“Isso foi possível em função de movimento da sociedade que elegeu um deputado Constituinte com essa pauta: Guilherme Afif Domingos, atual secretário Especial de Projetos Estratégicos do Estado de São Paulo”, lembra Costa.
Depois disso, enumera, as MPEs conseguiram outros importantes avanços, como o Estatuto da Micro e Pequena Empresa, a criação do Simples Nacional, a criação do MEI e, mais recentemente, o Marco Legal das Startups.
“Os pequenos negócios representam 30% do PIB do Brasil, e mostram a capacidade de geração de emprego e renda daqueles que empreendem. Temos que olhar os pequenos negócios como motor da economia”, diz Costa.
Os pequenos negócios praticamente carregam o país nas costas, e os números mostram isso. Dados de 2023 do Sebrae apontam que 80% dos empregos foram criados por MPEs. A tendência continua em 2024, já que de janeiro a abril essas empresas criaram 588,1 mil novos postos de trabalho. O número de abertura de pequenos negócios também cresceu no período, chegando a 1,43 milhão, ou 96,7% do total de novas empresas.
Outros dados, do Atlas dos Pequenos Negócios do Sebrae, de 2022, mostram que a renda mensal gerada pelos pequenos negócios chega a R$ 35 bilhões, atingindo R$ 420 bilhões por ano.
Citando números de 2023, que mostram que 80% dos empregos foram criados por MPEs (1,18 milhão, contra 209,9 mil das demais empresas), o presidente do Sescon-SP, Carlos Alberto Baptistão, reforça que os pequenos negócios não podem deixar de receber tratamento diferenciado.
“Além de serem a porta de entrada para quem quer se tornar empresário, as micro e pequenas empresas têm um papel importantíssimo de movimentar a economia local, porque o seu faturamento se converte em empregos. Ao investirem, venderem ou produzirem em seus bairros, nas pequenas cidades, os locais onde estão inseridos têm mais evolução, mais desenvolvimento”, diz Baptistão.
Daí entra a importância da simplificação para o segmento: os pequenos negócios ainda sofrem bastante com a burocracia, do momento da abertura, da formalização, até mesmo na emissão de notas fiscais, no controle de toda a empresa até a contratação de novos colaboradores, explica Costa, do Sebrae-SP.
Como a rotina dos pequenos negócios é repleta de desafios, diz, tanto em relação ao mercado, quanto à gestão empresarial, as frequentes mudanças no perfil de consumo, aumento das exigências dos clientes e a chegada de novas tecnologias e concorrentes trazem a necessidade constante de buscar inovações para se manterem competitivas no mercado.
O representante do Sebrae-SP lembra também que muitos empreendedores relatam que, por terem uma equipe mais enxuta, não conseguem focar em todas as áreas e se especializam em áreas fins e técnicas, mas não em finanças, marketing, planejamento ou gestão de pessoas, deixando gestão em segundo plano para priorizar atendimento aos clientes e as vendas.
“Controle de estoques e gestão financeira eficientes abrem caminho para melhores resultados. Uma boa gestão financeira também permite ao empresário planejar estrategicamente novas oportunidades de negócio”, orienta.
Por isso, afirma, simplificar o dia a dia é de grande valia para alavancar os negócios, para que os empreendedores possam focar em novas soluções para o mercado, na geração de empregos e no aumento de renda para a população.
“A simplificação contribui para toda a cadeia produtiva, possibilitando novas oportunidades para a comunidade, mais inovações em produtos e serviços e também para gerar negócios e movimentar a economia.”
De acordo com a ONU, o mundo precisará de 600 milhões de novos postos de trabalho até 2030 para absorver o crescimento da mão de obra global. E as micro, pequenas e médias empresas serão fator-chave para a criação desses empregos.
TRIBUTAÇÃO E CRÉDITO AINDA PREOCUPAM
Simplificar o Simples. Se o regime tributário simplificado foi instituído para facilitar a vida e as finanças dos pequenos negócios com objetivo de diminuir o peso da carga sobre eles, em tempos de reforma tributária, ele precisa ser aprimorado.
Essa é a avaliação de Baptistão, do Sescon-SP. Por representar os contabilistas, que atendem praticamente 100% dos pequenos negócios – e por isso conhecem a fundo suas dores e dificuldades -, o especialista diz que o Simples está defasado em dois sentidos:
Um, por falta de correção da tabela desde 2018. “Essas empresas têm dificuldades de crescer por falta de ajuste nos limites. Também é preciso excluir sublimites, pois quando o faturamento passa de 3,6 milhões por ano, elas precisam recolher ICMS e ISS separados”, explica.
O outro problema, segundo ele, é que a apuração do imposto foi ficando complicada. “São muitas tabelas, dificuldade de interpretações e tratamentos que deveriam ser simplificados… O que era para ser ‘Simples’ ficou complexo.”
Para Baptistão, o aprimoramento do regime tributário pode facilitar e melhorar o ambiente de negócios, e para que o micro e pequeno não se preocupe com legislação ou questões como estourar o limite do Simples, mas sim com sua atividade e o crescimento da sua empresa.
Ele também defende que é importante que esses empreendedores tenham parcelamento de tributos favorecidos, e que os optantes pelo Simples não sejam excluídos do regime tributário por débitos, justamente por suas peculiaridades.
“O Simples é tratado como renúncia fiscal pela Receita Federal, mas ele é um regime tributário”, afirma. “Por isso, é importante procurar ajuda profissional para manter contabilidade e finanças em dia e não ‘morrer’ pelo caminho: muitos pequenos negócios fecham por não procurarem um apoio, uma consultoria para lidar com essas complexidades.”
Os números dão uma ideia disso: levantamento do Sebrae com a Receita Federal aponta que, por falta de preparo ou gestão e planejamento deficientes, 29% dos microempreendedores individuais (MEI) fecham após cinco anos de atividades. Nas micro empresas esse montante é de 21,6% e nas de pequeno porte, de 17%. A maior taxa de mortalidade é verificada no Comércio, sendo que 30,2% fecham em 5 anos.
Outra dificuldade para essas empresas é o acesso ao crédito, lembrou o presidente do Sescon-SP. E isso não é um problema brasileiro: outros dados da ONU apontam que 41% das empresas nos países emergentes, ou menos desenvolvidos, relatam barreiras para crescer e se desenvolver por conta das dificuldades de financiamento.
“Não basta ter tratamento diferenciado no Simples: é importantíssimo que elas tenham linhas de crédito mais adequadas e facilitadas não só para investir no dia a dia do negócio, mas também em inovação e tecnologia”, diz Baptistão.
Outro ponto de atenção levantado pelo presidente do Sescon-SP é a reforma tributária. Embora ela não mexa diretamente no Simples, seus efeitos poderão tirar a competitividade das MPEs, que não poderão transferir nem devolver créditos na cadeia produtiva, alerta.
A Receita encontrou uma saída para isso ao permitir que o optante recolha IBS e CBS (tributos sobre o consumo) fora do regime do Simples Nacional, e permitindo que usem os créditos, explica. Porém, terão que continuar a recolher o Simples, aumentando a carga tributária dos pequenos negócios.
“É importante que essa questão seja aperfeiçoada na legislação para que essas empresas continuem a receber tratamento diferenciado”, destaca. “Muita gente empreende não por dom, mas por necessidade, então não pode haver dificuldades nos negócios. O país que ajudou as MPEs a se desenvolverem precisa pensar no limite, na tabela, no crédito, e, agora, ajudar a cuidar das pequenas empresas dentro da reforma tributária.”
Fonte: Diário do Comércio